Direito ao Corpo Consciente
Será que temos consciência da potência do nosso corpo e dessa ferramenta maravilhosa que ganhamos ao vir para o mundo? Será que nossos relacionamentos pessoais e profissionais são respeitosos? De que forma nosso corpo poderia ser mais consciente e nos posicionar de forma diferente em relação ao mundo e a nós mesmas? Será que ter consciência corporal poderia evitar que fôssemos agredidas verbal, física e emocionalmente?
Para compreendermos a importância de termos um corpo consciente é necessário entendermos que todas nós temos direitos sexuais e reprodutivos, direitos esses que começaram a ser discutidos em meados do século XIX e primeira metade do século XX, quando as mulheres começaram a lutar pela igualdade de Gênero, com ênfase nos direitos à educação e ao voto.
Até a década de 60, persistiu a luta pela igualdade, baseada nas relações sociais de poder entre homens e mulheres, que se fortaleceu nos anos 70, momento em que os grupos feministas começaram a romper com a opressão da mulher e com um intenso trabalho para desmontar as formas de construção dos papéis sociais de mulheres e homens.
Nesse período a luta das mulheres se direcionou na conquista do direito para decidir sobre seu próprio corpo, permitindo que elas pudessem:
Conhecer e/ou (re)conhecer seu próprio corpo;
Pensar e refletir pela primeira vez nas questões relacionadas à plenitude da sexualidade;
(Re)conhecer o direito ao prazer sexual;
Refletir sobre a construção dos papeis de homens e mulheres na sociedade.
No Brasil, esses movimentos tiveram uma atuação fundamental ao longo dos anos 80, pela defesa dos direitos das mulheres e justiça social, tendo como foco a saúde da mulher e os direitos reprodutivos.
Apesar de mais de um século de estudos, pesquisas e evolução do tema, ainda temos no Brasil – e no mundo – um enorme trabalho a ser realizado no que tange à violência de gênero. São apenas cem anos x uma história de abusos e de poder patriarcal, tão naturalizado em nossa sociedade.
Temos um cenário bastante complexo relacionado à violência de gênero, justamente porque conceitos como papel social do homem e da mulher ainda estão arraigados em nossa cultura e comportamento, o que muitas vezes afasta a mulher de ser consciente do seu próprio corpo.
É comum fazermos terapia para conhecer nossa mente, nossa história e nossos comportamentos, mas será que é tão natural trabalharmos nossos corpos para acessar as mesmas – ou mais – informações como essas?
A violência obstétrica é violência de gênero, pois ela nasce do princípio de que a mulher não conhece o próprio corpo, que o médico é o conhecedor especialista e que ele possui melhores condições para saber o que é melhor para ela, mesmo que para isso seja necessário que ela fique em posição litotômica (deitada), ou que empurrem sua barriga (manobra de Kristeller), ou ainda que façam um corte em seu períneo (episiotomia), ou ainda que dêem um ponto a mais (ponto do marido) na hora de costurá-lo. Essas são apenas algumas das tantas condições que as mulheres acabam se submetendo na hora do parto por ouvir que “o médico sabe melhor do que ela, pois estudou para isso”. Essas situações são todas consideradas violência obstétrica, não sendo sequer recomendas ou indicadas pela OMS – Organização Mundial da Saúde.
A mulher que sofre violência obstétrica deve ajuizar uma ação de indenização e responsabilização tanto na esfera civil como criminal, pois este é um dando que se propaga no tempo e no espaço, trazendo consequências não apenas físicas, como emocionais, aumentando a possibilidade de se desenvolver depressão pós-parto e destruindo as relações interpessoais que essa mulher possui. As ações são movidas em face do médico e do hospital, que deverão prestar todas as informações e esclarecimentos necessários.
Mesmo o termo já sendo conhecido em nosso ordenamento jurídico, as decisões ainda preferem mencionar “dano obstétrico”, mas é questão de tempo para que a jurisprudência se unifique e passe a desenvolver entendimentos mais robustos e pedagógicos. Se há algo no seu parto que você não consegue superar, algo que disseram ou fizeram, que quando você lembra te traz dor, angústia ou vergonha, certamente você passou por violência obstétrica e será apenas conversando com uma profissional que você irá ressignificar esse momento de forma terapêutica e/ou decidir tomar as medidas judiciais cabíveis.
A necessidade de perícia ainda é um fator que faz com que muitas mulheres prefiram não ir atrás de seus direitos, pois dependendo do grau de violência sofrida ela precisará reviver o trauma, o que a fará ser revitimizada. Esse é um ponto que ainda precisamos trabalhar com cada mulher, fortalecendo-a e acolhendo todas as suas dores e mágoas.
Da mesma forma como a violência obstétrica, a violência doméstica é também violência de gênero, e como tal se inclui na relação de violação aos Direitos Humanos das mulheres. Será que você está um relacionamento abusivo?
É importante esclarecer que a Lei Maria da Penha é utilizada apenas a favor da Mulher, podendo ser aplicada tanto contra o homem, como contra mulheres agressoras, quando estamos diante de relacionamentos homoafetivos.
Confira algumas situações:
– Ele/Ela controla seu dinheiro;
– Ele/Ela xinga você;
– Ele/Ela te humilha;
– Ele/Ela diz que você não faz nada certo, que você é inútil e idiota;
– Ele/Ela te chama de louca ou de puta;
– Ele/Ela te empurra, quebra seu celular, te bate ou cospe em você;
– Ele/Ela inverte os fatos em uma discussão e faz parecer que você sempre está errada;
– Ele/Ela te obriga a ter relações sexuais mesmo quando você diz que não quer;
– Ele/Ela faz chantagem emocional utilizando os filhos;
– Ele/Ela diz que vai se matar ou te matar se você terminar a relação.
Se você respondeu SIM a algumas das situações acima, procure alguém para conversar, ligue 180, denuncie! Procure uma rede de apoio, você não está sozinha! Existem varas especializadas para discutir ações que envolvem violência doméstica, existe uma lei para isso, saia da espiral da violência!
É urgente que as mulheres passem a conhecer melhor seu corpo, não apenas esteticamente, mas através de exercícios e práticas corporais, para que possam ser capazes de retornar ao lugar sagrado de intuição e de escuta do próprio corpo, pois quando uma mulher conhece e confia no seu poder corporal, ninguém é capaz de violenta-la, pois ela toma para si todas as habilidades e forças ancestrais necessárias para impedir que seja agredida de qualquer forma. O empoderamento feminino vem de dentro, e todas as mulheres já possuem todas as respostas, às vezes elas só precisam de alguém que mostre a elas, que elas sabem.
Natalia Guimarães Viotti
Advogada
Especialista em Direitos das Mulheres e Pesquisadora de Saberes Milenares
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